Artigo- Por uma revisão do quinto constitucional

02/06/2015 #Administração

Lourival Serejo

* Desembargador e membro da Academia Maranhense de Letras

Depois da instalação do Conselho Nacional de Justiça, cuja composição já abriga representantes de diversos órgãos e poucos juízes de carreira, questiona-se, frequentemente, a necessidade de conservação do quinto constitucional na composição dos tribunais. Mas não é esse o objeto da questão que pretendo levantar. Venho tratar de uma interpretação conforme para dar um alcance mais democrático à composição do quinto constitucional.

Sem muitos rodeios e para ser bem incisivo no que busco defender, entendo que, após a EC nº 45, de 30 de dezembro de 2004, e mais recentemente, após a EC nº 80, de 4 de junho de 2014, devem passar a integrar o quinto constitucional, também, os defensores públicos.

Esse raciocínio decorre de que a Constituição Federal, desde 2004, deferiu-lhes autonomia funcional, ampliada em 2014, com a iniciativa de lei para criação de cargos conferida à chefia institucional.  Até a Seção III, do Título IV (Da organização dos poderes), a qual se referia à "Advocacia e a Defensoria", foi desdobrada, ficando só com a denominação "Da Advocacia", sendo criada a Seção IV com o título "Da Defensoria Pública" (art. 134).  Dessa forma, o Ministério Público, a Advocacia e a Defensoria Pública ficaram no mesmo status constitucional.

Entretanto, constata-se que o único óbice atual para o acolhimento dessa proposta é o artigo 94 da Constituição Federal, neste teor: "Um quinto dos lugares dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais dos Estados, e do Distrito Federal e Territórios será composto de membros do Ministério Público, com mais de dez anos de carreira, e de advogados de notório saber jurídico e de reputação ilibada, com mais de dez anos de efetiva atividade profissional, indicados em lista sêxtupla pelos órgãos de representação das respectivas classes".

Logo, a solução será a proposta de uma emenda à Constituição para inserir os defensores públicos no rol dos profissionais  que devem integrar  o quinto constitucional.

Depois da EC nº 80/2014, o artigo 94 passou a ofender o princípio da unidade da Constituição por omitir a inclusão de uma categoria de profissionais que passou a ser reconhecida, por ela própria, como exercente de uma atividade essencial à função jurisdicional do Estado. Para Canotilho, a função do princípio da unidade é evitar contradições (antinomias, antagonismos) entre as normas constitucionais (cf. Direito Constitucional e Teoria da Constituição). Essas contradições internas é que levaram à conhecida teoria de Otto Bachof sobre normas constitucionais inconstitucionais.

Depois de alcançar o atual status institucional, não é possível deixar os defensores públicos no  limbo da representação, entre o ser e o não ser. À evidência, os defensores não estão sendo  tratados com isonomia no reconhecimento dos seus direitos, ao lhes ser negada a ascensão aos tribunais de justiça estaduais.

Em conclusão, repito e alinho os seguintes fundamentos à minha sustentação:

a) a Defensoria Pública é uma instituição permanente e essencial à função jurisdicional do Estado (arts. 134 e 5º, LXXIV, da CF);

b) o STF já decidiu que a Defensoria Pública estadual não pode estar subordinada ao governo do Estado ou à Secretaria de Estado (ADI 3965, julgada em 7.3.2012);

c) o defensor público não pode exercer a advocacia fora de suas atribuições constitucionalmente previstas;

d) o STF julgou inconstitucional lei do Estado de São Paulo que tornava obrigatório convênio da Defensoria Pública estadual com a seccional da OAB daquele ente federativo. Entendeu o Supremo que esse convênio ofendia a autonomia funcional, administrativa e financeira da Defensoria;

e) em votação ocorrida no 5 de maio passado, o STF julgou improcedente a ADI 3943 que pretendia considerar inconstitucional a legitimidade dos defensores públicos de ajuizarem ação civil pública na defesa de interesses coletivos. Entendeu a relatora, ministra Cármen Lúcia, que o aumento das atribuições da Defensoria decorreu das alterações promovidas pela Emenda Constitucional nº 80/2014;

Esta matéria desafia mais espaço e disposição para sucessivos argumentos, a favor ou contra. O que pretendo, com a abertura desta discussão, é dizer que os defensores públicos não são mais defensores "ad hoc", como se usava antigamente, mas efetivos agentes da Justiça. E, como tais, precisam ter suas prerrogativas reconhecidas para todos os fins. 

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