Foto:
Marcos Vinícius Campos Fróes*
A sra. Ana** foi surpreendida com um empréstimo no banco que não autorizou. O sr. Antônio, como condição de adquirir um imóvel, foi obrigado a pagar a comissão de corretagem, mesmo sem haver se utilizado do serviço. A sra. Raimunda paga plano de saúde há muito tempo, mas necessitando se submeter a uma cirurgia, a operadora do plano não autorizou a liberação dos materiais e do sr. Pedro estão sendo cobrados juros exorbitantes, como forma de coação para pagamento do valor principal de uma dívida.
Essas pessoas não se conhecem, mas há fatos comuns entre elas. O primeiro é que são pessoas necessitadas, cuja insuficiência de recursos não lhes permite pagar as despesas de um serviço de orientação jurídica, custas processuais e honorários advocatícios, sem prejuízo do sustento pessoal e de sua família.
Segundo, sentindo-se lesados em seus direitos, todos procuraram o Núcleo de Defesa do Consumidor da Defensoria Pública do Maranhão. O Nudecon conta com 5 defensores e possui atribuições nas matérias envolvendo relações de consumo, atuando nas varas cíveis e juizados especiais cíveis e das relações de consumo da capital. Inaugurado no dia 27 de maio de 2014, o Nudecon possui mais de 400 procedimentos administrativos instaurados, dentre individuais e coletivos, compreendendo como atividades principais, o atendimento ao público e a orientação jurídica; a busca prioritária de solução extrajudicial dos litígios, a conscientização sobre os direitos dos consumidores e o planejamento e coordenação de atividades interintitucionais, na área do direito dos consumidores.
Além disso, os quatro assistidos foram vítimas de práticas abusivas nas relações de consumo. O abuso de direito é tratado pelo Código Civil (CC) como um ilícito (art. 187) equiparado (art. 917), acarretando a nulidade dos atos e negócios correspondentes (Código de Defesa do Consumidor - CDC - Lei nº 8.07890, art. 51) e gerador do dever de reparação. O abuso de direito, constando tanto do CC quanto do CDC, possibilita a interação entre as normas, consoante a teoria do diálogo das fontes, tese desenvolvida na Alemanha pelo professor da Universidade de Heidelberg, Erik Jayme, e trazida ao Brasil pela professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Cláudia Lima Marques.
Segundo a teoria do diálogo das fontes, as normas jurídicas não se excluem quando pertencem a ramos jurídicos distintos, mas, ao contrário, complementam-se e, tratando-se do Direito do Consumidor, o art. 7º do CDC adota um modelo aberto de interação legislativa, pois os direitos previstos no CDC não excluem outros decorrentes de tratados ou convenções internacionais de que o Brasil seja signatário, da legislação interna ordinária, de regulamentos expedidos pelas autoridades administrativas competentes, bem como dos que derivem dos princípios gerais do direito, analogia, costumes e equidade, sendo possível que a norma mais favorável ao consumidor esteja fora do próprio CDC.
As práticas abusivas são condutas ilícitas, que podem surgir antes de firmar-se o contrato de consumo, durante e também após, reguladas pelo CDC em vários artigos, sendo elencadas de forma exemplificada no art. 39.
Dentre as práticas mais comuns estão a “venda casada” ou “operação casada”, por meio do qual o fornecedor pretende obrigar o consumidor a adquirir um produto ou serviço apenas pelo fato de ele estar interessado em adquirir outro produto ou serviço, veja-se, a exemplo o enunciado da Súmula 473 do STJ, com o seguinte teor “o mutuário do SFH não pode ser compelido a contratar o seguro habitacional obrigatório com a instituição financeira mutuante ou com a seguradora por ela indicada”; a entrega de produtos ou serviços sem solicitação do consumidor, que como punição prevista no CDC são equiparadas às amostras grátis, inexistindo obrigação de pagamento, como é o caso, por exemplo, no envio de cartão de crédito sem que haja qualquer pedido por parte do consumidor e assinatura de revistas automaticamente pela empresa editorial; e a exigência do consumidor de vantagem manifestamente excessiva em benefício dos fornecedores, em violação à clássica vedação do enriquecimento sem causa (CC, art. 884 e 886) .
O art. 42 do CDC trata do abuso de direito na cobrança de dívidas, vedando-se a exposição do consumidor ao ridículo na cobrança de dívidas, não podendo o vulnerável, ainda, ser submetido a qualquer tipo de coação ou pressão física que vicia a sua vontade e possuindo o direito à repetição de indébito, em dobro, havendo o pagamento de dívida indevida (CDC, art. 42, parágrafo único).
Por fim, resta consignar que a sra. Ana e o sr. Antônio são pessoas idosas, a sra. Raimunda está doente e o sr. Pedro é analfabeto, portanto, todos em excepcional vulnerabilidade, tendo os fornecedores se prevalecido em vista de suas idades, saúde e conhecimento, para impingir-lhe seus produtos e serviços, sendo que ao Nudecon incumbe promover a defesa dos direitos desses consumidores assistidos.
Destarte, nessas e em todas as situações de abuso nas relações de consumo, em que se perceba conduta que destoa dos padrões mercadológicos e da razoável e boa conduta perante o consumidor, o defensor público tem a função de defender o elo fraco da relação, até porque os assistidos da Defensoria Pública em sua grande maioria não têm acesso às informações, sendo consumidores especialmente frágeis.
*Defensor público titular do Núcleo de Defensa dos Direitos do Consumidor da Defensoria Pública do Maranhão - Nudecon e atual diretor da Escola Superior da Defensoria Pública do Maranhão.
** Os nomes dos assistidos foram alterados.
Há 68 dias
Há 68 dias
Há 68 dias
Há 68 dias
Qual o seu nível de satisfação com essa página?