Cristiano Matos de Santana
Defensor Público da Defensoria Pública do Estado do Maranhão
O trabalho da mulher foi especialmente usado pelas empresas na Europa da Revolução Industrial e, também, no Brasil, devido ao atrativo de ser mão-de-obra barata e não disporem os estados nacionais de legislação protetiva, culminando na extenuação das trabalhadoras.
Constatada a precarização do trabalho feminino, a maioria dos países adotou em sua legislação interna medidas protetivas às mulheres. Nesse contexto, a licença-maternidade se insere como instrumento de proteção, inclusive no Brasil, onde foi introduzida pelo Decr. n. 21.417 A-1932, bem assim previsto na Constituição Federal de 1934, Consolidação das Leis Trabalhistas e, mais recentemente, na Carta Magna de 1988 no seu art. 7º, XVIII, dispositivo que foi considerado como cláusula pétrea pelo STF (Pleno- Adin n. 1.946/DF- Med. Lim.- Rel. Min. Sidney Sanches, Informat. STF n. 241).
A República Federativa do Brasil, signatária das Convenções n. 102 e 103 da OIT, fez injunções concretas junto à Organização Mundial de Saúde (OMS) para recomendar aos países membros o aleitamento materno pelo período de 06 meses, tempo indispensável para estabelecer afetividade materna, protegendo, a um só tempo, a criança e a mãe.
No contexto em que o próprio Brasil envida esforços no cenário internacional para um maior período de aleitamento materno, sobrevém a Lei n. 11.770/2008, que instituiu a Empresa Cidadã, destinada à prorrogação da licença-maternidade mediante concessão de incentivo fiscal, consignando que a administração pública é autorizada a instituir programa da licença-maternidade a suas servidoras.
A Lei n. 11.770/2008 merece ser analisada sob o prisma do direito constitucional e com as devidas críticas no que tange ao conteúdo, à redação, ao aspecto formal em si. A norma é diminuta na quantidade de artigos, contudo, deixa a desejar em diversos aspectos, os quais serão analisados, no presente trabalho, no tocante à atividade privada, ficando para o próximo, as repercussões no setor público, que interessam maiormente à Defensoria Pública, haja vista exercer seu ofício perante a Justiça Comum Estadual.
A norma retro mencionada, malgrado crie o Programa Empresa Cidadã, no seu âmago, não informa no que consiste o programa, além do que o veto presidencial ao parágrafo único do art. 5º da Lei n. 11.770/2008, com fundamentos utilitários de natureza eminentemente fiscal expostos na mensagem n. 679/2008, desnaturou o projeto aprovado pelo Parlamento.
O parágrafo único vetado aplicava o benefício às empregadas de empresas jurídicas enquadradas no regime de lucro presumido e às optantes pelo Sistema Integrado de Pagamentos de Impostos e Contribuições das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (SIMPLES). Em princípio, o art. 1º da Lei n. 11.770/2008 institui o Programa Empresa Cidadã destinado a prorrogar por 60 dias a licença-maternidade; no art. 2º, a lei autoriza que a administração pública institua o programa para suas servidoras; enquanto isso, o art. 4º estabelece vedação à empregada consistente em exercer atividade remunerada no período da licença, além do que a criança não poderá ser mantida em creche ou organização similar, enquanto durar a licença; por fim, no artigo 5º, a norma estabelece que “[...] a pessoa jurídica tributada com base no lucro real poderá deduzir do imposto devido, em cada período de apuração, o total da remuneração integral da empregada pago nos 60 dias da prorrogação de sua licença-maternidade”.
Como se vê, a Lei n. 11.770/2008 disciplina a prorrogação por 60 dias da licença-maternidade para as empregadas da atividade privada cujas empresas aderirem ao referido programa, que considera como modalidade de declarar o imposto de renda-IR o lucro real, excluindo do benefício de dedução do IR as empresas que adotam outro regime fiscal (lucro presumido, simples e empresas individuais, que constitui a maior parte das empresas) e, por conseguinte, prejudicando as empregadas dos referidos empreendimentos, que constitui-se na maior parte das trabalhadoras.
Valentim Carrion, em Comentários à CLT, 2009, expõe que o acréscimo de 60 dias criado pela Lei n. 11.770/2008 à licença-maternidade não é um direito previdenciário, eis que não é obrigação previdenciária. A lei em testilha contrariou a doutrina e jurisprudência pátrias, que trata da proteção à gestante como instituto cada vez mais próximo e integrante do direito previdenciário, e menos como encargo trabalhista, como assentou o STF na ementa da ADI n. 1946/DF”. Não bastasse, a norma violou a Convenção n. 103/1952, ratificada pelo Brasil através do Dec. n. 58.020/1966. O saudoso mestre Arnaldo Süsseking é peremptório: “Para evitar a discriminação contra o trabalho feminino, a Convenção n. 103/1952 da OIT dispõe que as prestações monetárias devidas à empregada durante o seu licenciamento, antes e depois do parto, devem ficar a cargo de um sistema de seguros sociais ou de fundos públicos (Art. 4º, Parágrafo 4º), não podendo a legislação nacional impor ao empregador o ônus direto da manutenção dos salários da gestante (in Direito constitucional do trabalho. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, 278.)”.
Pelo analisado, resta clarividente que a lei em comento é expressão de discriminação real e anti-isonômica ao estabelecer a prorrogação da licença-maternidade às empregadas celetistas de pessoas jurídicas que tiverem aderido ao Programa Empresa Cidadã, excluindo do benefício as empresas que aderiram ao Programa Simples e também as que declaram o imposto de renda pelo Sistema de Lucro Presumido - Micro e Pequenas Empresas, ignorando, propositadamente, a empregada de pessoa física, atingindo - por conseqüência - as empregadas domésticas lato sensu.
No arcabouço de defesa da mulher gestante, parturiente, lactante é de significado maior a licença à gestante, que não deve discriminar trabalhadoras grávidas e parturientes, como se existissem mulheres de maior e menor importância, a merecerem, respectivamente, 180 dias e 120 dias de licença. Se a fisiologia é a mesma, não há campo para diferenciação, abrindo-se espaço para o princípio interpretativo da máxima efetividade constitucional.
A ampliação da licença-maternidade merece ganhar efetividade, de modo a alcançar não apenas fração exígua das empregadas regidas pela CLT, mas sua totalidade, igualmente quanto às servidoras públicas e militares, não havendo que se fazer qualquer discriminação. O poder público não pode subordinar a ampliação da licença-maternidade da destinatária mulher a condições e fatores reducionistas e de cunho fiscal. Fazê-lo é distanciar-se da genuína fonte de alargamento da licença: fatores fisiológicos e proteção à maternidade, com destaque para o vínculo afetivo e amamentação, que culminam em proteção à mãe e à criança. Uma e outra são destinatárias de especial proteção da Constituição Federal, do Estatuto da Criança e do Adolescente, das Convenções Internacionais da OIT (102 e 103) e da Declaração de Innocenti (1990), merecendo nossas concretas homenagens.
Cristiano Matos de Santana
Defensor Público da Defensoria Pública do Estado do Maranhão. Pós-graduado pela Universidade Católica do Salvador (UCSAL). Pós-graduado em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Unar/Damásio.
Há 67 dias
Há 67 dias
Há 67 dias
Há 67 dias
Qual o seu nível de satisfação com essa página?