Nestes primeiros dias de 2014, assistimos a continuação da escalada da violência em nosso Estado. Ela tem diversos autores dentro os quais as quadrilhas organizadas, os órgãos policiais, a própria reação espontânea ou organizada da população frente a uma realidade social, econômica e política insustentável.
Discordamos de interpretações que afirmam como causa principal da violência no Estado o fato dele ter se tornado mais rico. Não há dúvidas de que isso aconteceu: o seu PIB cresceu acima de média nacional e dos demais estados nordestinos. Mas não deixou de ter o IDH no último lugar do Brasil. A concentração de renda e de terras causa descontentamento de indígenas, quilombolas, trabalhadores sem terra e comunidades expulsas por jagunços ou por policiais a mando de ordens judiciais. Muitas decisões só atentam para documentação em papel, mas não se certificam de direitos centenários testemunhados por benfeitorias e histórias de vida que deveriam colher in loco. Quase sempre as liminares de despejo ocorrem em prejuízos dos que nada têm e dependem da terra para sua sobrevivência. Nunca no Brasil aconteceu uma real Reforma Agrária como tem acontecido na grande maioria dos países do mundo. Não teríamos aqui uma das razões mais profundas e ocultas da atual crise de violência no Maranhão?
Temos as unidades prisionais do Estado superlotadas principalmente de jovens negros, pobres, analfabetos e muitas vezes sem documentos. Muitos encarcerados são simplesmente “esquecidos” pelos Poderes constituídos que se mostra rápida para expulsá-los de lugares onde tentam viver, mas que prefere deixá-los amontoados em condições medievais e torturantes. Onde estão as escolas de qualidade para dar à juventude perspectivas de um futuro promissor? Onde estão as oportunidades de trabalho? Lembramos que o direito a trabalho é garantido no artigo 23 da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Não é verdadeiro que atraindo grandes empresas, automaticamente se está combatendo o desemprego.
Afirmamos que medidas anti-violência devem ser tomadas através de políticas de redistribuição da riqueza e da inserção maciça de jovens na escola de qualidade e no trabalho que garanta a ele dignidade e renda suficiente para manter-se com sua família. Não estamos vendo acontecer isso em nosso Estado. Pelo contrário, ele é o que mais exporta mão de obra escrava e desqualificada para outras regiões do País.
O Conselho tem recebido críticas no sentido de estar se importando apenas com a situação hoje vivida pelos encarcerados e não com as vítimas da violência. O CEDDH se solidariza com todas as vítimas do sistema injusto e de exclusão instalado no Maranhão e no Brasil, do desrespeito aos direitos fundamentais das pessoas. Solidarizamos-nos especialmente com as vítimas da violência se espalhou nos últimos meses: com aquelas que sofreram nas mãos de assaltantes e latrócidas, com aquelas que foram agredidas pelas forças criadas para garantir a ordem pública, mas também com aquelas que tombaram por perseguição do latifúndio, que não tiveram atendido seu direito à saúde. A todas à elas e às suas famílias, expressamos nossa solidariedade nos momentos de sofrimento e de dor.
Queremos lembrar, no entanto, que cabe ao Conselho de Defesa dos Direitos Humanos empenhar-se na proposição, acompanhamento, controle e avaliação de políticas que contribuam para a plena garantia dos Direitos das Pessoas e na vigilância sobre o cumprimento pelo Estado dos Tratados e Pactos internacionais a eles relacionados. O Conselho não é órgão executor de políticas. Para isso existem as secretarias de Estado e dos Municípios e os demais órgãos públicos, alguns deles com assento no Conselho, como a própria Secretaria Estadual de Direitos Humanos, Assistência Social e Cidadania – SEDIHC.
Proponente de políticas, o CEDDH aproveita deste momento para sugerir ao Governo do Estado e aos demais órgãos que compõem o sistema de justiça, em caráter de urgência, as seguintes medidas para enfrentar o momento de crise vivido:
- A construção de novas unidades prisionais no interior do Estado do Maranhão com o fito de diminuir o déficit de vagas e proporcione condições mínimas existenciais para o encarceramento, consequentemente desarticulará as facções criminosas, bem como promoverá o cumprimento do disposto na Lei de Execução Penal que determina que o preso fique próximo de sua família. Olhamos com preocupamos o modelo “módulo” de cela apresentado pela SEJAP, especialmente no que se refere à ventilação e ao seu espaço limitadíssimo de circulação dos custodiados, o que fere a dignidade da pessoa humana.
- O fim da terceirização do sistema penitenciário do Estado do Maranhão com a imediata convocação de aprovados em concurso público, solicitando ainda, que o Ministério Público Estadual analise os contratos que propiciaram a terceirização do sistema prisional maranhense, sobre o prisma da legalidade, probidade e moralidade administrativa.
- A aquisição de tornozeleiras eletrônicas por parte do Poder Executivo para que possa facultar ferramentas aos operadores de direito a requerer/aplicar medidas cautelares diversas das prisões, na forma da Lei 12.403-11.
- A criação de novos cargos para a Defensoria Publica do Estado do Maranhão com o propósito desta instituição dar continuidade ao crescente trabalho de interiorização, propiciando assim meios concretos para a promoção efetiva de direitos humanos, o acesso à justiça e a paridade de armas entre acusação e defesa técnica jurídica para os mais necessitados.
- A revisão em caráter de urgência dos processos parados na Justiça, dando celeridade a seu andamento, oportunidade de defesa aos presos, obedecer aos prazos para prisões provisórias e garantir a progressão dos regimes de pena.
- A implantação de uma política de ocupação ressocializante aos encarcerados. Atualmente, o sistema funciona como universidade do crime e articulador de gangues e quadrilhas. Os bispos do Maranhão, na sua nota pública ao Povo de Deus do último dia 15 de janeiro escreveram: “[O sistema prisional] Não nos devolve cidadãos recuperados, mas pessoas na sua maioria ainda mais frustradas que veem na vida do crime a única saída para o seu futuro.”
- Políticas de assistência às famílias vítimas da violência, sejam familiares de presos mortos sob custódia do estado, da ação criminosa de quadrilhas e gangues ou de policiais.
A médio prazo, a necessidade de ter uma Reforma Agrária, proteção aos territórios indígenas e quilombolas, políticas de educação e saúde de qualidade para toda a população, respeito a oportunidades de trabalho para todos e combate a monopólios e lobbies devem ter por objetivo a criação de uma sociedade mais igualitária, menos violenta e mais respeitosa aos direitos fundamentais de todas as pessoas, como é dever do Estado.
São Luís, 20 de janeiro de 2014
Jean Marie A.E. Van Damme
Presidente do CEDDH
Dr. Alberto Pessoa Bastos
Vice-presidente do CEDDH
Drª Clarice Viana Binda
Secretária do CEDDH
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