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Foi lançado pelo Ministério da Justiça, na última segunda-feira (16), o Atlas do Acesso à Justiça no Brasil. O documento, que contém informações como o número de profissionais e de unidades da Justiça (Defensoria Pública, Ministério Público e instâncias do Judiciário) e sobre serviços extrajudiciais (cartórios, delegacias e procons), cria o Índice Nacional de Acesso à Justiça (Inaj) que serve como parâmetro para quantificar o grau de dificuldade de acesso aos serviços públicos disponíveis em todas as unidades da federação, levando em consideração o total da população e o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de cada localidade.
Segundo o Atlas, a população maranhense tem o pior acesso à Justiça no país. Em entrevista exclusiva ao Jornal Pequeno, o defensor geral do Estado, Aldy Mello Filho, analisa os indicadores e fala dos desafios para a ampliação da política pública de acesso à Justiça no Maranhão.
Jornal Pequeno - O Índice Nacional de Acesso à Justiça (Inaj), ao considerar o número de equipamentos judiciais e extrajudiciais no Estado, aponta o Maranhão com o pior índice entre as 27 unidades da federação, somando apenas 0,06, sendo que o melhor índice está no Distrito Federal, com 0,41. Como o senhor avalia esse cenário?
Aldy Mello Filho - Com ressalvas. Em relação aos dados referentes à Defensoria do Maranhão, o Atlas não contém informações atualizadas sobre o número de defensores e os nossos núcleos regionais, ou seja, há muitas comarcas que possuem unidade da Defensoria e não são identificadas no documento. Até 2010, após nove anos de existência da Defensoria no Maranhão, atendíamos apenas seis comarcas, o que correspondia a somente onze dos 217 municípios maranhenses. Nos últimos três anos, foram inaugurados núcleos em dezenove comarcas, atendendo, hoje, cinquenta e cinco municípios. Só em 2013, inauguramos unidades da DPE em Alcântara, Bom Jardim, Viana, Barra do Corda, Zé Doca, Esperantinópolis, Santa Inês e Pastos Bons. Portanto, o documento não reflete a situação real, pelo menos não em relação à Defensoria do Estado do Maranhão. No entanto, apesar dos avanços, longe estamos de atender as 112 comarcas maranhenses, o que revela, sim, uma gravíssima deficiência de acesso à Justiça no Estado.
Jornal Pequeno - O Inaj aponta que há somente 3,93 defensores públicos para cada 100 mil habitantes no país, sendo que o Norte e Nordeste são as regiões que, segundo o estudo, apresentam as maiores dificuldades de acesso ao sistema judicial. O Amazonas é o estado nortista que tem acessos críticos aos serviços da Defensoria Pública, com 1,17 defensor público para cada 100 mil habitantes. Já Rio Grande do Norte - com 1,23 - é o pior estado na escala do Nordeste, seguido de Bahia (1,48) e do Maranhão (1,67). Tais números procedem?
Aldy Mello Filho – Abstraindo-se eventuais equívocos na catalogação dos dados, é claramente desproporcional o número de defensores públicos em relação aos demais profissionais da área (advogados, membros da Magistratura e do Ministério Público), especialmente no Maranhão. No último triênio, tivemos um aumento de 155% no número de defensores públicos no Estado. Elevamos de 47 para 120 o número de profissionais. Tendo como parâmetro o III Diagnóstico Defensoria Pública no Brasil, lançado em 2009 pelo próprio Ministério da Justiça, a proporção era de 1 defensor para cada 104.978 habitantes, a pior do país à época. Se hoje é de 1,67 defensor para cada 100 mil habitantes, como consta no Atlas, diminuímos praticamente pela metade essa proporção e no que se refere ao número de defensores por habitantes estamos na frente dos estados da Bahia (1,48), São Paulo (1,43), Rio Grande do Norte (1,23), Amazonas (1,17), Santa Catarina (0,94), Paraná (0,79) e Goiás (0,1). É preciso fazer a comparação das estatísticas levantadas pelo Ministério da Justiça em 2009 e em 2013. Em 2010, éramos a pior, em número de defensores, do Brasil. Nos últimos três anos, subimos sete posições no ranking nacional, passando na frente de estados como São Paulo, Paraná e Santa Catarina. Também a cobertura geográfica foi ampliada de 3% das comarcas para 23% em três anos. No entanto, considerando as altas custas judiciais praticadas no Maranhão, o elevado valor dos honorários advocatícios e considerando, sobretudo, que segundo o IBGE/PNAD (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística/Pequisa Nacional por Amostragem de Domicílios), 57,72% da população maranhense recebe até 3 salários mínimos, faixa de renda dos usuários da Defensoria, mais da metade dos cidadãos maranhenses precisa, precisou ou pode vir a precisar dos serviços de assistência jurídica gratuita prestados pela instituição. Isso significa dizer que nos locais onde não há núcleo da Defensoria Pública, o que corresponde atualmente a 77% das comarcas, a Justiça acaba sendo inacessível.
Jornal Pequeno – Quanto ao número de advogados particulares, o Atlas aponta que o Brasil tem 311 advogados para cada grupo de 100 mil habitantes, um número quase 80 vezes maior do que o de defensores públicos. O que esses números indicam?
Aldy Mello Filho – O pouco investimento dado às Defensorias Públicas pelos governos estaduais e federal e o crescimento da advocacia privada. Trata-se de um dever constitucional do Estado garantir a todo cidadão que comprove insuficiência de recursos assistência jurídica integral e gratuita através da Defensoria Pública. Há um atraso de 25 anos no processo de consolidação da política pública de acesso à Justiça no país promovida pelas Defensorias, que remonta à promulgação da Constituição Federal de 1988. Por ser norma definidora de um direito fundamental, é autoaplicável e de execução imediata. Ocorre que no Maranhão a Defensoria foi criada em 1994 e somente em 2001 foram nomeados os primeiros defensores públicos de carreira. Nos seus primeiros nove anos, por falta de investimentos e baixos salários, o número de defensores no Estado oscilou em torno de 40. No último triênio, nomeamos 73 defensores. Mas ainda temos um número 3 vezes maior de magistrados (333) e promotores (321). Para a grande maioria da população maranhense, ainda que se aumente o número de juízes no estado, sem o aumento correspondente no número de defensores, as possibilidades do cidadão encaminhar suas demandas à esfera de apreciação do Judiciário serão remotas, já que a Defensoria é a porta de entrada à Justiça. Nos locais onde não há Defensoria, os magistrados condenam o Estado a pagar advogados particulares por ato processual. Na prática, o Estado paga mais pelo serviço e o cidadão não fica satisfeito, considerando a qualidade técnica do trabalho prestado pelo defensor público e sua dedicação exclusiva no desempenho de suas funções.
Jornal Pequeno – Como mudar essa realidade no Maranhão?
Aldy Mello Filho – Só o Poder Executivo pode criar cargos de defensor. Desde 2009 que o Ministério da Justiça aponta a necessidade de, no mínimo, 200 defensores públicos estaduais. Temos 53 candidatos aprovados em concurso público realizado em 2011 aguardando nomeação. Só há 10 cargos vagos na carreira, que ainda não foram providos por falta de recursos orçamentários. O Poder Legislativo também precisa cumprir o seu papel, que é aprovar a criação de mais cargos de defensor público e garantir um orçamento necessário para manter todas as unidades criadas em funcionamento e a criação de novas unidades no interior. O nosso orçamento é 4 vezes menor do que o do Ministério Público e 16 vezes menor do que o do Judiciário. Sem investimentos na Defensoria, o cidadão maranhense que precisar de um medicamento ou de uma internação hospitalar, para citar apenas uma de nossas atuações mais frequentes, e encontrar dificuldades no exercício de seus direitos, poderá ter a sua vida e a sua saúde seriamente comprometidas. A Defensoria do Maranhão, portanto, precisa ser fortalecida para que possa continuar salvando vidas.
Fonte: Jornal Pequeno - Publicada no dia 22 de dezembro de 2013
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