Um urbanismo para além de muros e calçadas
Alberto Guilherme Tavares*
Diante da escassez de boas práticas em matéria urbanística, principalmente daquelas sintonizadas com a funcionalização social do direito de propriedade, ganhou repercussão, até nacional, a iniciativa da Secretaria de Urbanismo e Habitação de São Luís, através da Blitz Urbana, de notificar donos de terrenos para que cumpram as determinações da lei municipal de muros e calçadas (Lei 4590/06).
Segundo a referida lei, proprietários ou possuidores dos terrenos da zona urbana da capital maranhense estão obrigados a fechá-los com muro de alvenaria, bem como a construir, reconstruir, manter e conservar calçadas.
Sem desmerecer a iniciativa, que, aliás, como destacado por especialistas, pode contribuir para a redução da criminalidade, a intervenção do executivo municipal, em face das possibilidades existentes na ordem jurídico-urbanística, ainda se revela tímida em seu alcance, apesar de transmitir a falsa impressão de que os proprietários notificados estão em vias de perder seus bens.
Com efeito, na Lei 4590/06, como sanção para aquele que deixa de realizar o amuramento de seu terreno, está prevista apenas a aplicação de multa, cuja ausência de pagamento enseja a inscrição na dívida ativa do município e a conseqüente execução fiscal. Não regularizada a situação, pode ainda o município realizar o serviço e cobrar judicialmente o despendido com a obra ao proprietário.
Portanto, as placas afixadas em terrenos baldios da cidade, afirmando que tais locais estão em processo de desapropriação, são um exagero e não correspondem à realidade, haja vista inexistir, formalmente, um processo de desapropriação, que é deflagrado através de um decreto (de necessidade pública, de utilidade pública ou de interesse social) e não por meio de uma simples notificação.
Ao reverso, algo diferente e bem mais condizente com a mensagem das referidas placas teríamos caso a Prefeitura de São Luís já houvesse regulamentado um procedimento para aplicação do artigo 1276 do Código Civil Brasileiro, que prevê a perda da propriedade pelo abandono do imóvel, situação que comporta, inclusive, presunção absoluta quando cessados os atos de posse por parte de seu proprietário (a exemplo da falta de muro) e não satisfeitas as obrigações fiscais.
Prática adotada por algumas prefeituras do país, a arrecadação de imóveis abandonados tem sido utilizada para enfrentar a escassez de reserva fundiária dos municípios e o elevado preço da terra urbana, que se constituem em entraves ao aumento da produção de moradia para a população de baixa renda, que concentra oitenta por cento do déficit habitacional brasileiro.
Em São Luís, por sua vez, considerando a elevada concentração de terrenos abandonados nas áreas centrais da cidade, entregues a processos especulatórios, a arrecadação, associada a projetos habitacionais de interesse social, teria ainda outro papel fundamental: o de reduzir a segregação espacial entre ricos e pobres, conduzida pela lógica do mercado. Contudo, é preciso perceber que o problema está para além de muros e calçadas.
*Defensor público estadual, especialista em Direito Urbanístico pela PUC-MG
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