Matéria especial: O presente mais importante

27/12/2011 #Administração
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No presídio feminino do complexo penitenciária de Pedrinhas o Natal ganha outros significados que extrapolam a correria das lojas e o festival de consumismo típico deste período. O olhar cabisbaixo e triste de duas detentas, uma de São Luís e outra do interior do estado, condenadas por tráfico de drogas, torna explicita uma decepção imensurável. Apesar de terem direito a benefícios como o regime de progressão de pena, o livramento condicional e a saída temporária elas não podem usufruir do presente cujo valor é inestimável: a liberdade A expectativa de passarem as festas de fim de ano em casa naufragou nos mares turbulentos da burocracia e da lentidão do sistema judiciário e agora só resta aguardar notícias mais felizes em 2012.
A reportagem de O Imparcial optou por preservar o nome destas personagens de uma novela cujo enredo é conhecido do sistema carcerário brasileiro. A decisão é justificada por conta do estigma enfrentado por quem cumpre pena presídios do país. K.F G tem 20 anos e cumpre pena de 4 anos e 2 meses, mas desde julho tem direito a progressão de regime, e já deveria ter deixado o regime fechado e ido para o semiaberto. “ Já nem sei quando vou sair daqui, lá fora tem minha mãe correndo atrás das coisas para mim. Sei que deveria passar este natal em casa, mas não foi possível e agora resta esperar pra ver como fica minha situação daqui pra frente”, desabafa a mulata de estatura média, sorriso tímido e poucas palavras.

A certeza de que “pisou na bola” é tão firme quanto a disposição em dar outros rumos à vida, quando sair da prisão. “ Sei que fiz coisa errada e por isto to puxando esta cadeia, mas já tinha direito a passar o Natal em casa. Já posso ter progressão de pena e quando sair daqui, quero voltar aos estudos e arranjar um trabalho”, afirma.

No cartório da penitenciária, a reportagem recebeu a informação de que a pena dela teve uma redução de um ano e oito meses, além da mudança de regime solicitada desde julho, existe também o direito ao livramento condicional.

Nos primeiros meses após a prisão, a mãe, apontada por ela como a “chefe da família” conseguiu arrumar um advogado. Porém, há algum tempo, não recebe notícias dele a respeito do andamento do processo. O temor de seguir o destino comum a muitos desafortunados da população carcerária brasileira e acabar esquecida no presídio, ainda não supera indestrutível esperança peculiar da juventude.Por isto, embora admita a possibilidade de ficar mais tempo ainda no aguardo de respirar ainda que de forma breve os ares da liberdade, seja por conta da mudança de regime, do livramento condicional ou deixar definitivamente para trás os muros da prisão, ela mantém firme a crença em ter a situação solucionada o mais breve possível.

Cumprindo uma pena mais branda, estipulada em um ano e oito meses, da qual já tem direito a progressão de regime, L D. P .S tem 29 anos e veio da cidade de Codó, distante 466 quilômetros de São Luís. Mãe de três filhos, ela lamenta a impossibilidade de passar o natal ao lado das crianças, pelas quais confessar sentir muita saudade. “ Peguei uma pena pequena e já tinha direito a passar o natal em casa, mas isto não pode acontecer”, lamenta. Branca, estatura média cabelos longos e extremamente lacônica, ela preferiu não comentar muito a situação de já ter direito a sair da prisão para estar com a família nas festas natalinas, mas o semblante resignado valeu por um dicionário inteiro. Durante a entrevista não esboçou nem um breve sorriso, como o da companheira de cárcere, apenas o olhar perdido no tempo, como se refletisse a angústia de não compartilhar uma data tão especial ao lado dos filhos.

 

O orgulho de Caroline

Manhã de segunda-feira, primeiro dia do chamado recesso forense, que assegura aos defensores públicos o direito de uns dias de folga por conta das festas de fim de ano. Na sala na 1º Vara de Execuções Penais, reservada à defensoria a reportagem de O Imparcial. A escassez de espaço contrasta com o entusiasmo de quem trabalha no local.

Mesmo com o recesso, Caroline Barros foi até a Vara de Execuções Penais checar alguns processos. Ela recebe a reportagem munida de diversas informações sobre casos acompanhados por ela e por outro defensor Paulo Rodrigues da Costa. “Nada é mais gratificante do que contribuir para que o apenado cumpra sua reprimenda com a garantia de todos os direitos previstos em lei e retornando ao convívio social com dignidade”, comenta.

Ela lembra que , a Lei de Execução Penal prevê um rol de legitimados bem amplo para postular medidas judiciais, quais sejam: o Ministério Público, o próprio interessado, seu representante, seu cônjuge ou parente, o Conselho Penitenciário, a Defensoria Pública e a autoridade administrativa, a exemplo do diretor do estabelecimento prisional. “o próprio Juízo de Execução pode atuar de ofício, independentemente de qualquer requerimento”, argumenta. Caroline Barros ressalta que o processo de execução penal é extremamente dinâmico, reivindicando reiteradas análises de um mesmo processo e demandando sucessivas decisões judiciais, que também são precedidas de requerimentos e pareceres.
Acostumada a conhecer as histórias que vão além das estatísticas, ela admira a determinação dos parentes das pessoas presas na busca de assistência jurídica para seus familiares. “Cada preso entrevistado, cada família atendida, cada processo estudado, traz consigo a sua peculiaridade”, revela.

Apesar dos percalços enfrentados no trabalho de defensor público, que representam menos de um terço dos juizes existentes no estado, e tem de acompanhar a uma demanda grande de processos, a soma dos prós e contra deste ofício tem ainda um saldo positivo. “exercer o papel de Defensora Pública é extremamente gratificante, pois permite ao profissional assistir a parcela da população mais carente, e, muitas vezes, sem consciência de seus direitos e cujas demandas são essenciais para garanti-los”, afirma.

 

Números

5.473
é a população carcerária do Maranhão, incluindo presos provisórios ou condenados conforme dados do Departamento Penitenciário, datados de julho de 2011.


261
É o numero de mulheres que fazem parte da população carcerária do estado

156
É o total de mulheres, integrantes da população carcerária do estado que cumprem pena por tráfico de drogas



SAIBA MAIS

 
Caminhos da Liberdade

Alguns dos principais benefícios concedidos aos detentos



Livramento Condicional

O livramento condicional que consiste liberdade antecipada, mediante certas condições, conferida ao condenado que cumpriu parte da pena que lhe foi imposta e a saída temporária o detento sob livramento condicional deve obter um trabalho, comunicar sua ocupação e não mudar de comarca sem autorização.

Progressão de Regime

A mudança de um regime mais restritivo para outro mais leve apenas pode ocorrer após o cumprimento de 1/6 da pena, nos casos tendo dentre os requisitos a apresentação de bom comportamento por parte do preso

Saída temporária

É um benefício concedidos aos detentos que cumprem pena em regime semi-aberto, apresentam bom comportamento e já cumpriram 1/6 da pena, nos casos de réus primários. Estas saídas são concedidas em datas especiais como o Natal/Ano Novo e o Dia das Mães.

 

 

Um Natal inesquecível

 

Após passar quase dois meses preso por causa de um crime que já estava prescrito, motorista diz que a liberdade é o maior presente que recebeu

 

A demora do marido em retornar da delegacia, onde fora registrar queixa por ter sofrido um crime de assalto, começou a preocupar Waldirene Vieira. Com o passar do tempo, ele não batia na porta da casa humilde, onde ela e as duas crianças aguardavam ansiosas alguma notícia. Com o passar do tempo, aumentava a tensão. “Depois soube que ele tinha ficado preso. Havia um mandado de prisão contra do ano de 2003 e aí começou nosso desespero”, relata.

Naquele fatídico 9 de agosto de 2011, o motorista voltava para casa do trabalho quando foi surpreendido por um assalto. Onze anos antes, ele estava do outro lado e por conta disto foi indiciado pelo mesmo delito. O processo correu normalmente e a condenação, à revelia,  ocorreu dois anos depois. Pelo crime, previsto no Artigo 157 do Código Penal ele recebeu a pena de 5 anos e dois meses. “Acabei ficando mesmo preso e depois me levaram para o Centro de Detenção Provisória em Pedrinhas”, relembra “ W. C. J”, iniciais do motorista, que hoje tem 29 anos, é pai de dois filhos, considerado funcionário exemplar na empresa onde trabalha.

Na tentativa de solucionar a questão, a esposa e a mãe de  W. C. J. correram atrás de advogados. Juntaram as parcas economias da família e gastaram quase três mil reais, mas ele continuava preso. “Eu madrugava na porta do CDP e também na Vara de Execuções Penais. Falei diversas vezes com doutor Jamil, e contei a situação dele. Mas os advogados que conseguimos não conseguiram fazer nada”. O “Dr. Jamil” citado por ela é magistrado pela 1ª  Vara de Execuções Penais, para onde converge a maioria dos processos da capital, relacionados à questão carcerária.

Apesar dos advogados “matarem a cabeça” com o assunto, tratava-se de um caso explícito de erro jurídico. “Não atentaram para a questão da extinção da punibilidade, o crime praticado por ele já estava prescrito, não havia mais motivo para que fosse preso”, explicou o defensor público Paulo Rodrigues da Costa.

Por um acaso, típico de roteiro de cinema, Waldirene Vieira foi até a Vara de Execuções Penais tratar de outro assunto relacionado à situação do marido. “Era um documento relativo à empresa onde ele trabalhava, um documento que precisava ter e parece que tinha de ser tirado na internet. Aí na VEP procurei um computador na sala da defensoria, o doutor Paulo soube do meu caso, pediu para ver o processo e logo disse que ele não devia estar preso”, relembra.

O defensor público solicitou a libertação de W.C J. com base no argumento de prescrição da pena, prevista na legislação penal brasileira. O pedido foi deferido pelo juiz, que decretou a libertação dele. "Só quem passa por essa situação, sabe como é ruim ser preso sem motivo, pois não havia mais razão para eu ser detido”, desabafa.

Ao lado de uma das duas filhas, ele recebeu a reportagem na sala de casa. Passado o drama, segue na função de motorista na mesma empresa, onde estava quando ocorreu o problema e agradece a solidariedade dos colegas de trabalho. Agora a meta é buscar uma indenização do estado, por conta do erro ocorrido na sua prisão. “Penso sim em pedir indenização, já fomos procurar a Defensoria Pública pra tratar deste assunto. Se não fosse o doutor Paulo, eu ainda estaria lá, e passaria agora o Natal atrás das grades. Porém, a alegria de estar em liberdade não tem preço”, comemora W. C. J, que foi preso sem motivo e quer indenização por parte do estado.

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