O defensor geral do Estado, Aldy Mello de Araújo Filho, em artigo publicado na edição do último domingo do jornal O Estado do Maranhão, faz uma análise sobre a política criminal brasileira, apontado soluções para o seu aperfeiçoamento.
Para Aldy, a pena de prisão não tem cumprido a sua função ressocializadora, e os problemas enfrentados pelo sistema penitenciário nacional, a exemplo da superpopulação carcerária, da falta de assistência material, médica e jurídica, têm agravado as tensões dentro do ambiente prisional, resultando em rebeliões como a que ocorreu no Complexo de Pedrinhas no início do mês.
Ao final do artigo, apontou como soluções à crise a aplicação de penas privativas de liberdade somente em casos mais graves, qualificação permanente dos profissionais que atuam dentro do sistema, regionalização das unidades prisionais e o fortalecimento da Defensoria Pública.
Confira íntegra do artigo. Reflexões sobre a política criminal brasileira Aldy Mello de Araújo Filho A rebelião ocorrida em Pedrinhas na última semana coloca em foco a crise do sistema punitivo pátrio. Nos termos da legislação vigente, ao efetivar as disposições de uma sentença ou decisão criminal, ao lado de coibir a prática de um novo crime, o sistema de aplicação das penas no Brasil tem como finalidade orientar o retorno daquele que cumpre pena privativa de liberdade ou medida de segurança ao convívio social.
Quando se fala do sistema penitenciário, ecoam problemas estruturais históricos: superpopulação carcerária, abandono material, psicológico, educacional, médico, jurídico, dentre outros. Ocorre que a experiência prisional do condenado é a única forma que ele tem de expressar sua personalidade. Se essa experiência é negativa, ela será manifestada de maneira negativa.
A condição de criminoso não lhe retira a qualidade de ser humano e, por mais primitivo que seja, como ser humano deve ser tratado. Daí se extrai, do sistema, sua primeira incongruência. A pena privativa de liberdade não tem cumprido o seu papel ressocializador, isso porque a política criminal, embora atribua à pena a função de ressocialização, não tem oferecido ao sistema meios para atingir a ressocialização.
Ao ser abandonada à própria sorte pela política criminal, a pena de prisão não tem conseguido cumprir a finalidade para qual foi criada, qual seja, a de fazer retornar à convivência social o condenado arrependido e recuperado. A repressão, sozinha, não tem sido capaz de combater a criminalidade. Não tem sido capaz de impedir a reincidência. Também não tem sido capaz de reinserir o apenado no contexto social.
Em séculos de política criminal exclusivamente repressora, não se conseguiu reduzir a quantidade de delitos cometidos. A despeito de tal constatação, o Brasil ocupa a quarta colocação entre os países com maior número de pessoas recolhidas ao cárcere. São quase meio milhão de homens e mulheres detidos. Nos últimos nove anos, a população carcerária feminina quase triplicou. O grande desafio da política criminal brasileira é firmar-se como política social, isso porque a ausência de mecanismos eficazes de reinserção promoverá, fatalmente, o retorno do indivíduo à criminalidade.
Desde a década de 90, a Organização das Nações Unidas, visando à implementação de soluções alternativas à prisão, recomenda a aplicação do documento que ficou conhecido como "Regras de Tóquio", que preceitua a promoção das medidas restritivas de direito em detrimento das penas privativas de liberdade. São objetivos das "Regras de Tóquio": promover o emprego de medidas não-privativas de liberdade; obedecer as garantias mínimas ao cidadão apenado; promover uma maior participação da comunidade na administração da Justiça Penal; promover uma maior participação da comunidade no tratamento do detento; estimular entre os apenados o senso de responsabilidade em relação à sociedade. Nota-se que o ideário contido nas "Regras de Tóquio" volta-se tanto à ressocialização do criminoso quanto à proteção da sociedade durante o processo ressociabilizante.
Naturalmente que quando se fala em apostar nos meios alternativos à prisão, desde a fase anterior ao julgamento, de forma a evitar, inclusive, prisões preventivas desnecessárias, não significa abrir mão de políticas repressivas, mas de reservar a pena privativa de liberdade aos casos mais graves. As "Regras de Tóquio" também apontam para a necessidade de se investir, continuamente, na qualidade do tratamento dispensado aos apenados pelos profissionais que atuam dentro do sistema. A descentralização do cumprimento da pena também é providência que favorece a reinserção social do apenado.
Além de proporcionar que a reparação do dano se dê no local onde o mesmo ocorreu, mantém íntegros os vínculos do agressor com seus familiares e com sua comunidade, facilitando o retorno à convivência em sociedade. A recuperação do apenado depende do empenho do Estado, das instituições públicas, dos meios de comunicação social e da própria sociedade.
A adoção preferencial de medidas despenalizantes e descarceirizadoras, a construção de unidades prisionais regionalizadas, a garantia de condições mínimas de sobrevivência no cárcere, que assegure ao custodiado o elementar direito à saúde, o estímulo ao trabalho e à qualificação técnica, a criação de creches nas unidades, o fomento a atividades artísticas e socioeducativas, a criação de postos de trabalho e incentivos fiscais a egressos do sistema prisional, a participação da sociedade através de seus conselhos comunitários, a garantia do direito à assistência jurídica gratuita prestada por defensores públicos àqueles que não dispõem de recursos são alguns dos caminhos necessários à reformulação do atual sistema punitivo brasileiro.
* Defensor público - geral do Estado do Maranhão
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