Por Jean Carlos Nunes Pereira*
Ágora, na Grécia Antiga, era o nome dado à praça pública, espaço privilegiado das discussões políticas relevantes para vida social. Em que pese os milênios transcorridos desde aquele tempo clássico, a praça pública não só não perdeu importância social – não reconhecida, é verdade – como ganhou diversos sentidos práticos para sua construção e sua manutenção.
Permanece, claro, o sentido, por ela ostentado, de propiciar um espaço das discussões acerca da vida social. Numa sociedade tão marcada por aquilo que José de Sousa Martins chama de “apatia política”, a praça constitui um precioso laboratório de incentivo à formação crítica e à participação cidadã. As discussões travadas sob diversos olhares, a descoberta de variáveis não consideradas de determinado problema ou questão política e, enfim, a presença do outro são ingredientes fundamentais para receita de democracia participativa e de respeito aos direitos humanos elaborada pelo Constituinte de 1988.
Além disso, a praça permite (deve permitir), sobretudo no meio urbano, uma integração (um início de integração, para muitos,) com a natureza. Há diversas pesquisas demonstrando como essa integração é importante para o pleno desenvolvimento da criatura. Desde a formação moderna, já bem o assinalou Boaventura de Sousa Santos, consolidou-se uma cultura de dominação da natureza, atrelada aos interesses de mercado e que teve no sistema predatório colonialista sua forma histórica mais visível. Difícil respeitar e proteger o que não se conhece, o que não integra o universo de convivência e de interação. A praça também cumpre este relevantíssimo papel pedagógico.
Há ainda outro, inexistente na ágora grega, que me chama particularmente a atenção: a praça como espaço de convivência das famílias. A convivência entre os membros de uma mesma família nesse ambiente possui um sentido bem diferente daquele que ocorre no âmbito da moradia. É que, neste caso, ela está atrelada à dinâmica das obrigações que envolvem a manutenção do lar, dos afazeres domésticos, os cuidados com a higiene, entre outros. Ao se dirigir à praça, a família carrega consigo a ideia de, pelo menos por um instante, afastar-se daquelas obrigações, o que pode ensejar uma interação de afeto singular, especialmente enriquecido pela diversidade trazida pela presença de múltiplas gerações e de outras famílias. Aliás, o próprio conceito de família tende a se ampliar, já que a diversidade atestará que o afeto não tem fronteiras nem formas previamente definidas.
Por fim, identifico como sentido relevante do papel da praça na contemporaneidade a promoção do lazer. O sistema capitalista foi o responsável, em grande medida, pela construção da ideia de que o lazer fosse considerado algo pejorativo, contraproducente. Mais recentemente o mercado despertou para o lazer, é verdade; mas não para o reconhecimento de seu valor intrínseco. Viu nele uma oportunidade de ampliação do próprio sistema. O resultado é que o lazer tem sido atrelado à perspectiva do consumo. Eis aqui talvez o ponto mais sensível e dramático porque passam nossas praças nos dias de hoje: a concorrência realizada pelos shoppings centers e suas “praças de alimentação”, “vendidas” ao “consumidor” como o espaço do conforto e da segurança.
Por esses dias, em ponto turístico da capital maranhense, foi inaugurada uma bela praça pública. Um grande evento, dada a sua raridade. Lá estive com minha família. A quantidade de pessoas presentes bem demonstrava o quão carentes somos dessa convivência. Não fui para comprar. Como diria uma pessoa de meu afeto, fui “ver gente”. Conheci pessoas, meu pequeno fez amizades, reencontrei amigos, cai diversas vezes ao tentar me equilibrar no patins, buscando seguir as carinhosas orientações de minha esposa, orgulhosa com os feitos do aprendiz. Observamos respeitosamente as plantas em silencioso crescimento. Ao término do rico momento de lazer, lembrei-me de que o Palácio do Planalto bem com o dos Leões estão localizados exatamente em praças (dos Três Poderes e D. Pedro II, respectivamente). Não deve ser por acaso. O amadurecimento de nossa democracia e construção de uma cultura de direitos humanos passam também por nossas ágoras.
* Membro do Núcleo de Direitos Humanos da DPE-MA. Mestre em Políticas Públicas. Professor da Universidade Estadual do Maranhão.
** Publicado no Jornal Pequeno
Há 70 dias
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